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Salários iguais só daqui a 83 anos

Salários iguais só daqui a 83 anos

As mulheres já são quase 50% da população empregada, mas o salário líquido médio é 18% inferior aos dos homens. Ao ritmo dos últimos 20 anos, ?só em 2101 haverá igualdade 

22.02.2019 | Por Sónia M. Lourenço


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Dois milhões, trezentas e oitenta mil e oitocentas. Foi este o número de mulheres empregadas em Portugal em 2018 (média anual), traduzindo uma situação de quase paridade com os homens ao nível do emprego, pela primeira vez no país. Mas essa paridade está longe de ser ainda uma realidade ao nível dos salários. As mulheres ganham, em média, menos 18,4%. Uma diferença que pouco se reduziu nos últimos 20 anos. A este ritmo vão ser precisos mais 83 anos para atingir a igualdade no salário médio.
 
Apesar da elevada participação das mulheres no mercado de trabalho, uma característica portuguesa, sempre estiveram aquém dos homens ao nível do emprego. Em 1998, representavam 44,4% da população empregada, indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas este fosso tem vindo a fechar-se. Em 2018, as mulheres eram já 48,9% do total e, a este ritmo, a paridade na repartição do emprego será atingida em menos de cinco anos.

Explicação? Em primeiro lugar, “a taxa de atividade está a crescer no lado feminino”, destaca João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Em 1998, a taxa de atividade das mulheres a partir dos 15 anos era de 51,8%, 20 anos depois tinha subido para 54,5%. Mesmo assim, permanece aquém da registada para os homens, que atinge os 64,4%. Uma evolução impulsionada pelo aumento da escolaridade das mulheres nas gerações mais novas e que também não pode ser dissociada do adiamento da maternidade.

Economia ganha com as mulheres
O aumento da participação das mulheres na força de trabalho tem um impacto claro na economia. “Todos os estudos com projeções de longo prazo antecipam um aumento da taxa de atividade, devido ao aumento da idade da reforma e à maior participação das mulheres no mercado de trabalho”, frisa João Cerejeira. Um aumento que deve “compensar, em parte, a redução demográfica prevista”, enfatiza. O facto de “em regra, as mulheres trabalharem a tempo inteiro, enquanto noutros países europeus há um forte peso do trabalho feminino a tempo parcial, torna a participação das mulheres no mercado de trabalho em Portugal ainda mais relevante”, aponta, por sua vez, Paulino Teixeira, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Sinal deste impacto, um estudo de 2017 da Organização Internacional do Trabalho estimava que reduzir em 25%, até 2025, o diferencial de cerca de 10 pontos percentuais na participação de homens e mulheres na força de trabalho em Portugal, geraria um adicional de 2% no produto interno bruto (PIB), considerando paridades de poder de compra. Ou seja, somaria ao PIB cerca de seis mil milhões de dólares (€5,3 mil milhões). A explicação é simples: um aumento da participação das mulheres significa um aumento na força de trabalho total, gerando maior produção, mais salários na economia — com um aumento dos rendimentos das mulheres — e, também, mais impostos para os cofres públicos.

Há outro fator que ajuda a explicar o reforço do peso das mulheres na população empregada: a evolução sectorial do emprego no país. A crise penalizou em especial sectores como a construção — que perdeu mais de 250 mil postos de trabalho entre 2008 e 2013 — onde a incidência de emprego feminino é mais baixa. Em sentido inverso, desde o ano ‘negro’ de 2013 — quando a economia e o mercado de trabalho em Portugal bateram no fundo — “o emprego tem crescido sobretudo nos serviços, onde há maior incidência de emprego feminino”, constata João Cerejeira. É o caso de sectores como “Atividades de saúde humana e apoio social”, “Educação”, ou “Alojamento, restauração e similares” (ver texto ao lado).

Salários marcam passo
O problema é que o fechar do fosso ao nível das diferenças entre homens e mulheres na população empregada não tem tido o mesmo reflexo amplitude no que se refere aos salários, onde “há evolução, mas tímida”, salienta Joana Gíria, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).

Os dados do INE são esclarecedores. Em 1998, o rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem homens era de €555, enquanto nas mulheres ficava pelos €452. Ou seja, os homens ganhavam, em média, mais 22,8% do que as mulheres. Duas décadas depois, em 2018, os valores eram de €966 para os homens e de €816 para as mulheres. Isto significa que as mulheres ainda ganhavam, em média, menos 18,4% do que os homens. Este valor mede a média global de quem está no mercado de trabalho. A diferença entre os rendimentos auferidos por homens e mulheres resulta de vários fatores e não apenas de poder haver salários diferentes entre homens e mulheres em iguais funções.

Mantendo-se este ritmo, vão ser precisos mais 83 anos para encerrar este diferencial. Ou seja, só em 2101 se atingirá a igualdade no rendimento médio mensal líquido de homens e mulheres trabalhadores por conta de outrem. Acresce que no ano passado cerca de metade (51%) dos trabalhadores por conta de outrem homens tinham um rendimento líquido mensal abaixo dos €900. Uma situação que atinge dois terços (63,4%) das mulheres trabalhadoras por conta de outrem.

Estes indicadores ganham ainda mais relevância quando se nota que as mulheres na força de trabalho portuguesa são, em média, mais qualificadas do que os homens. A fotografia traçada pelos dados do INE ao nível de escolaridade da população empregada é esclarecedora: mais de metade dos homens (52,7%) tinham apenas o ensino básico (9º ano de escolaridade). Nas mulheres, este número era de apenas 38,8%. No extremo oposto, 20,2% dos homens tinham qualificação ao nível do Ensino Superior, enquanto nas mulheres este número atingia os 33,7%.

O peso dos estereótipos
O que explica, então, a persistência da desigualdade ao nível do salário médio líquido? Joana Gíria aponta a segregação horizontal e vertical no mercado de trabalho, que “assenta em tradições e estereótipos ao nível dos papéis de género”.
A segregação horizontal prende-se com a “escolha ainda estereotipada de profissões pelas mulheres, com grande incidência nas profissões muito ligadas ao cuidado, como uma extensão do trabalho em casa e do cuidar”, afirma a presidente da CITE. Ora, este tipo de trabalho é “menos reconhecido a nível remuneratório”, constata.

Quanto à segregação vertical, prende-se com o “acesso das mulheres a cargos de chefia e direção”, aponta Joana Gíria. “Em regra, as mulheres são vistas como tendo menos disponibilidade para o trabalho, dadas as suas tarefas e responsabilidades como cuidadoras de descendentes e ascendentes. Mesmo que não seja essa a realidade”, frisa. O que dificulta o seu acesso a cargos de topo. Para a presidente da CITE, “uma forma de caminhar para o equilíbrio necessário é com licenças de maternidade de igual duração e não transferíveis para pais e mães”.

João Cerejeira também aponta baterias aos cargos de liderança nas empresas: “Em regra, a subida na hierarquia demora tempo e os cargos de direção são ocupados por pessoas mais velhas. Ora, nas gerações mais antigas, as condições de acesso das mulheres ao mercado de trabalho eram muito mais difíceis”. Como resultado, “a geração que ainda está nas posições de liderança nas empresas é sobretudo masculina, o que ajuda a explicar a diferença” entre homens e mulheres ao nível salarial, argumenta. Contudo, “à medida que as gerações mais jovens, onde há maior escolarização e participação feminina no mercado de trabalho, se vão sucedendo, as mulheres começam a chegar a esses cargos e o diferencial irá diminuir”, argumenta.

O número de horas de trabalho também ajuda a explicar esta desigualdade. “Os homens tendem a trabalhar mais horas do que as mulheres, fazendo mais horas extra, com reflexos na sua remuneração”, aponta João Cerejeira. Uma diferença que “tem a ver com a assimétrica repartição das tarefas em casa”, considera. Sinal disso, o estudo “As mulheres em Portugal, hoje”, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell e apresentado na última semana, conclui que 74% das tarefas do lar são executadas por mulheres. “Se as contribuições dos homens em relação à execução das tarefas domésticas continuarem a evoluir ao ritmo da última geração, serão necessárias entre cinco e seis gerações para que se alcance uma distribuição paritária das tarefas domésticas entre mulheres e homens, nos casais em que ambos têm trabalho pago”, explica o estudo.
 
Mulheres dominam na saúde e na educação
Pessoal doméstico, atividades de saúde humana e apoio social, educação, outras atividades de serviços, alojamento e restauração. São estes os sectores de atividade em Portugal com maior incidência de emprego feminino. Ao mesmo tempo, são sectores onde o emprego tem crescido em força desde os anos ‘negros’ da crise.

Entre os cinco sectores com maiores aumentos de emprego entre 2013 e 2018, três têm um elevado peso das mulheres. É o caso das atividades de saúde humana e apoio social, com mais 83,2 mil postos de trabalho e onde as mulheres representam 83,3% do emprego total. Seguem-se a educação, com mais 69,3 mil empregos e onde as mulheres representam 78,5% da população empregada; e o alojamento e restauração, com um acréscimo de 39,5 mil postos de trabalho, e onde 58,1% do emprego é ocupado por mulheres.

Ganhar o salário mínimo
O problema é que alguns destes sectores têm uma incidência elevada de baixos salários. É o caso do alojamento, restauração e similares, onde 35% dos trabalhadores recebem o salário mínimo, segundo os últimos dados disponíveis, relativos ao segundo trimestre de 2018. Como resultado, “as mulheres estão sobre representadas no escalão de remuneração correspondente” ao salário mínimo, lê-se no último relatório de acompanhamento do salário mínimo. As mulheres representavam 47% do emprego total, mas, nesse escalão de remuneração a percentagem de mulheres aproximava-se dos 53%.

“O facto de as mulheres se concentrarem em determinados sectores e profissões penaliza-as em termos salariais”, constata Paulino Teixeira, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Mas, esta realidade está a mudar. “Há um número crescente de mulheres na ciência e na engenharia. E, aí, os salários são muito mais elevados”, frisa. Uma análise do Eurostat, com dados de 2017, concluía que Portugal é um dos cinco países da União Europeia onde a maioria dos cientistas e engenheiros são mulheres, ficando na 4ª posição, com 51%.


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