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Salários do Estado com perdas acima dos 20% desde 2010

Salários do Estado com perdas acima dos 20% desde 2010

Com os salários congelados, a inflação, o agravamento do IRS e o aumento das contribuições para a ADSE e para a CGA ditaram   perdas do poder de compra de dois dígitos em relação a 2010. Em vários casos, a quebra ultrapassa os 20%.

23.04.2018 | Por Sónia M. Lourenço


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O Orçamento do Estado para 2019 (OE-2019) ainda vem longe, mas as fileiras dos sindicatos estão já cerradas na reivindicação de aumentos salariais para a Administração Pública no próximo ano, com PCP e BE a cobrirem os flancos. O Governo já deixou a porta aberta, com o Primeiro-ministro, António Costa, a admitir essa possibilidade mas  remeter o tema para a discussão do OE-2019. E o ministro das Finanças, Mário Centeno, a frisar que nunca disse nunca. Até o líder do PSD, Rui Rio, já defendeu aumentos em 2019 para os funcionários públicos, em linha com a inflação.
 
Inflação é mesmo uma palavra-chave quando se fala dos salários da função pública: congelados desde 2010, a subida dos preços significa menos poder de compra. Mas, não é a única a 'roubar' salário aos funcionários públicos. Há três siglas que, na última década, significam menos dinheiro ao fim do mês para os trabalhadores do Estado: CGA (Caixa Geral de Aposentações), ADSE (o sistema de proteção e assistência na doença dos funcionários do Estado) e IRS (Imposto sobre os Rendimentos Singulares). Juntos, o aumento das contribuições para a CGA e ADSE e o agravamento do IRS também levaram uma fatia adicional dos salários.
 
O resultado está à vista. Segundo as contas do Expresso, em termos reais, os salários líquidos na função pública (medidos a partir da remuneração-base) contabilizam perdas de dois dígitos face a 2010. E, em vários casos, a redução ultrapassa os 20% (ver tabela com quase três dezenas de casos). Se a base da comparação fosse 2009, o último ano em que houve aumentos no Estado, os números seriam ainda mais expressivos. Mas, a revisão de várias carreiras no Estado inviabiliza comparações diretas das tabelas remuneratórias de vários grupos com relevo na Administração Pública (AP), como os militares da GNR e das Forças Armadas, ou os profissionais da PSP. Por isso, a opção foi tomar como ponto de partida o ano de 2010.
 
Sempre a subtrair
Vamos por partes. A primeira parcela a considerar na evolução real dos salários é a inflação. Em 2009, o governo de José Sócrates brindou os funcionários do Estado com uma subida de 2,9%. Desde então, a inflação tem se traduzido numa degradação real dos vencimentos todos os anos. Ou seja, numa redução do seu poder de compra que atingiu, em termos acumulados, 11,7% até 2018 (tendo em conta a previsão de 1,4% para a inflação este ano, que consta do Programa de Estabilidade 2018-2022). Usando como base o ano de 2010 - como aconteceu na análise do Expresso - a perda acumulada é de 10,3%.
 
Segue-se o aumento das contribuições para a CGA para onde os trabalhadores que ingressaram na Função Pública até ao final de 2005 fazem os seus descontos - quem entrou no Estado a partir de 2006 passou a ser inscrito no regime geral da Segurança Social. A taxa contributiva sobre as remunerações a cargo dos funcionários públicos era de 10% até 2010, mas agravou-se para 11% a partir de 2011. Desta forma, igualou a vigente para os trabalhadores que descontam para a Segurança Social.
Ao mesmo tempo, a taxa de desconto para a ADSE tem vindo a subir sucessivamente.  Em 2010 era de 1,5% sobre a remuneração-base, passando para 2,25% em 2013, 2,5% no início de 2014 e 3,5% poucos meses depois. Patamar em que se mantém hoje.
 
Por fim, é preciso levar em conta o agravamento do IRS. Após o “enorme” aumento de impostos do então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, em 2013, nada foi como antes. É certo que esse agravamento afetou todos os contribuintes. Mas, dada a progressividade do imposto, os salários mais elevados foram mais afetados.
Ora, a Função Pública concentra, pela sua natureza, um número elevado de trabalhadores em profissões com maiores exigências formativas, logo com salários acima da média. É o caso dos médicos e dos professores, por exemplo. Por isso, o agravamento do IRS - que ainda só foi parcialmente revertido com o fim da sobretaxa e as alterações nos escalões do imposto - penalizou de forma mais marcada muitos funcionários públicos. Sinal disso, as remunerações mais elevadas na função pública contabilizam  perdas face a 2010 também mais altas.
 
Somando o efeito de todos estes fatores, nos 29 casos analisados pelo Expresso que abrangem diversas carreiras e posições ou escalões remuneratórios de trabalhadores com vínculo de emprego público, a redução nas remunerações líquidas em termos reais entre 2010 e 2018 varia entre os 10,7% (soldados das Forças Armadas e assistentes operacionais) e os 24,7% (reitores das universidades). E, são vários as situações de quebras acima dos 20%, ou seja, em que os trabalhadores perderam um quinto do vencimento. Em termos absolutos, isto significa reduções mensais que vão dos €64 até aos €989, com a maioria dos casos analisados a contabilizar perdas na casa das centenas de euros.
 
A exceção são os assistentes operacionais nas primeiras posições remuneratórias da carreira, cujas perdas ficam pelos 5%. Tudo porque o aumento do salário mínimo se traduziu num incremento da sua remuneração-base, enquanto as restantes remunerações da função pública se mantiveram congeladas em termos nominais (ver caixa).
 
Sindicatos querem negociação
Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública,  afeta à CGTP, é taxativa: “Quando o Governo destaca o crescimento da economia e vai muito além do previsto na redução do défice, não há razão para não haver aumentos dos salários”. E lembra que “a Lei do Trabalho em Funções Públicas prevê a discussão anual dos salários, antes da apresentação da proposta do Orçamento do Estado”. Contudo, “o Governo não tem cumprido”. Sinal disso, “ainda estamos à espera de resposta à nossa proposta para 2018, que apontava para aumentos de 4% com um valor mínimo de €50”.
 
José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), afeta à UGT, considera que nos últimos anos se criou uma fratura, com “confrontação entre privado e público”. E destaca: “Colocou-se trabalhadores contra trabalhadores e toda a gente perdeu. Quando havia aumentos no sector público, muitas vezes serviam de referencial para a negociação coletiva no sector privado.  O resultado desta confrontação foi o empobrecimento de todos”.


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