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Salário mínimo ainda abaixo de 1975

Salário mínimo ainda abaixo de 1975

Remuneração: Em termos reais atingirá este ano o segundo maior valor desde a sua criação, em 1974

23.01.2017 | Por Sónia Lourenço


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Eram apenas €16,5 — à época, 3300 escudos — quando o salário mínimo foi criado em Portugal, em 1974, subindo para os €20, em 1975. Parece pouco, mas, em termos reais, ou seja, do poder de compra, o salário mínimo valia mais do que hoje. É essa a conclusão da atualização dos valores do salário mínimo, utilizando a média anual do Índice de Preços no Consumidor. A preços de 2016, o salário mínimo de 1974 atingia os €539, subindo para o máximo de €557 em 1975. Desde então, foi sempre mais baixo, o que significa que os aumentos não conseguiram acompanhar a inflação.

Este ano, o salário mínimo sobe para €557 em termos nominais, a que correspondem €549 em termos reais (preços de 2016), considerando a inflação prevista. Fica ainda abaixo de 1975, mas é o valor mais elevado desde então em termos reais, ultrapassando finalmente o nível de 1974. O Governo comprometeu-se com um salário mínimo de €600, em 2019, no fim da legislatura. Um valor que, caso se confirmem as previsões de inflação, corresponderá a €574 a preços de 2016, ultrapassando, por fim, o máximo registado em 1975, 44 anos depois.

OCDE quer redução da TSU
O aumento do salário mínimo em 2017 tem estado rodeado de polémica, por causa da contrapartida dada aos patrões: uma redução da TSU a seu cargo em 1,25 pontos percentuais (baixa de 23,75% para 22,5%) durante um ano, para os trabalhadores já empregados (até final de 2016), que recebam o salário mínimo.

Mas a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) deu novo fôlego ao Governo. No estudo “Labour Market Reforms in Portugal 2011-2015”, divulgado na quinta-feira, considera que “aumentos adicionais no salário mínimo podem ajudar a enfrentar o problema da pobreza de quem tem emprego, mas, para minimizar potenciais perdas de postos de trabalho, devem ser consideradas reduções nas contribuições para a Segurança Social a cargo dos empregadores para os trabalhadores com salário mínimo”. E frisa que a medida pode ser particularmente importante “no caso das pequenas empresas”.

A posição da OCDE prende-se com dois grandes fatores. Em primeiro lugar, apesar de ser baixo em termos absolutos, o salário mínimo em Portugal é elevado em comparação com outros países da organização quando medido em proporção dos salários medianos na economia (o nível que separa a metade mais alta e a metade mais baixa dos vencimentos em Portugal). Em 2015, era o nono mais elevado segundo este critério, nos 57% da mediana. O que significa que um aumento do salário mínimo em Portugal tende a causar maior pressão salarial no conjunto da economia. Até porque a fatia de trabalhadores a receber este salário é significativa: 21,1%, em outubro de 2015.

Ao mesmo tempo, em Portugal as contribuições para a Segurança Social a cargo dos empregadores, no caso dos trabalhadores que recebem o salário mínimo, são mais elevadas do que a média da OCDE, que se situa nos 19%. O que “tende a exacerbar qualquer efeito negativo do salário mínimo na contratação”, destaca o documento.
Contudo, a organização defende que, para estimular a procura de trabalho pelas empresas, a redução da TSU deve ser estendida a todos os trabalhadores que recebam o salário mínimo — mesmo os que ainda venham a ser contratados — e não abranger apenas aqueles que já estão empregados, como propõe o Governo de Costa.
Distorcer o mercado de trabalho

Esta é, precisamente, uma das críticas à medida do Governo: uma vez que abrange apenas quem já está empregado, não estimula a criação de emprego. Ora, segundo o “Estudo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida em Portugal (2011)”, o maior efeito do aumento do salário mínimo é sobre a contenção das novas contratações e não tanto sobre as cessações de contratos. “Este tipo de incentivo fazia mais sentido para novas contratações”, defende João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, e um dos coautores.

Outra crítica é gerar distorções no mercado de trabalho. As novas contratações, mesmo que pelo mesmo valor dos €557, vão ficar mais caras para as empresas”. Além disso, “leva a cada vez maior concentração dos salários mais baixos no valor exato do salário mínimo, porque as empresas têm vantagem em pagar esse valor”, aponta João Cerejeira.

Pedro Portugal, professor da Nova School of Business and Economics, considera o aumento do salário mínimo “temerário, dado o elevado nível de desemprego jovem” e a medida de redução da TSU “incompreensível”. No estudo “Sobre os paralogismos que gravitam em torno das políticas de redução da TSU”, alerta que esperar que reduções temporárias da taxa “originem efeitos duradouros sobre o emprego é uma expectativa baseada mais na vontade do que na lógica e na evidência”.

São mais mulheres, muitas trabalham na indústria
Quem são os trabalhadores que recebem o salário mínimo em Portugal? Sobretudo mulheres, mostram os dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Em outubro de 2015, 21,1% dos trabalhadores por conta de outrem a tempo completo recebiam o salário mínimo, com este número a atingir os 26,2% nas mulheres, ficando pelos 17% nos homens.

Além disso, na mesma altura, os sectores com maior peso de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo eram as indústrias de madeiras e mobiliário (40,5%); a fabricação de pasta, papel, cartão e seus artigos (36,4%); o alojamento e restauração (34,7%); a indústria metalúrgica e a fabricação de produtos metálicos exceto máquinas e equipamentos (33,3%); e a fabricação de têxteis e indústria do vestuário e do couro (31,1%). Em termos de qualificações, não há números recentes, mas o “Estudo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida em Portugal”, de 2011, concluía que o salário mínimo abrangia, sobretudo, os trabalhadores com até nove anos de escolaridade (21,3% do emprego total deste grupo).

A AVALIAÇÃO DA OCDE

Alterações à legislação de proteção dos trabalhadores
A redução “significativa” do valor das indemnizações e a flexibilização do conceito de despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação foram duas reformas “substanciais” e “aproximaram” as leis nacionais do panorama europeu, apesar de continuarem das “mais rigorosas”. Mas o impacto foi limitado (continua a ser difícil provar a justa causa dos despedimentos e só os contratos novos, a partir do final de 2012, são abrangidos pelas novas regras compensatórias), ainda que pareçam ter “incentivado a contratação e a procura de emprego”. Fosso na proteção entre trabalhadores permanentes e a prazo não foi corrigido.

Novas regras no acesso a benefícios no desemprego
O número de beneficiários do subsídio de desemprego aumentou (com a flexibilização do histórico contributivo), o que vai ao encontro dos objetivos da OCDE. Mas a redução da duração do subsídio (que se mantém “elevada”) foi “irrelevante” no que ao aumento das saídas do desemprego diz respeito. Também a diminuição do teto máximo da prestação e a redução de 10% ao fim ?de seis meses não mostraram evidências significativas.

Políticas ativas de emprego
A adoção de programas de formação e a criação de subsídios às empresas de incentivo à contratação (sobretudo jovens, desempregados de longa duração e com baixas qualificações) são das medidas mais elogiadas pela OCDE ?e que mostram “resultados positivos” em termos de empregabilidade.

Reformas do sistema de negociação coletiva
Objetivo era tornar o sistema de negociação coletiva mais representativo, descentralizado e dinâmico, mas o impacto das medidas implementadas foi reduzido. “É improvável que as reformas recentes tenham muito impacto dado que o critério de representatividade atual para as extensões é facilmente cumprido; a representação de trabalhadores ao nível da empresa é fraca; e as condições para sair de acordos sectoriais permanecem vagas, logo, abertas a conflitos”, diz OCDE. O sistema de negociação coletiva permanece altamente centralizado face a outros países da OCDE.

Moderação salarial
O objetivo era permitir o ajustamento natural e a resiliência do mercado laboral em período de crise: o salário mínimo foi congelado entre 2011 e 2014, o pagamento das horas extraordinárias e de outras compensações foi reduzido e houve ainda cortes nos salários acima de €1500 para a Função Pública. Todavia, a OCDE aponta ?para o facto de o ajustamento no trabalho, ao contrário do que aconteceu noutros países, ter ocorrido “primariamente através da destruição de empregos”, que tem ?sido sobretudo feita à conta do despedimento de trabalhadores temporários.



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