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"Os líderes do futuro serão muito mais vulneráveis"

O exercício da liderança está a mudar e trouxe novos desafios à gestão quotidiana das empresas. Rajeev Vasudeva, que desde 2014 lidera a operação global da multinacional de executive search (recrutamento de quadros de topo) Egor Zehnder, esteve em Portugal para um encontro de quadros e conversou em exclusivo com o Expresso sobre os novos desafios da liderança. A importância da diversidade nos quadros de topo e nas empresas, o papel da emoção, o impacto da tecnologia no recrutamento, e o enorme desafio que diz ser a crise de confiança da sociedade em relação a quem lidera, dominam o discurso de um líder que não tem dúvidas de que a raiz da formação dos líderes do futuro terá de ser muito mais emocional do que formal.

12.04.2018 | Por Cátia Mateus


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É um líder global. Como é que vê a liderança no atual contexto empresarial? 
Essa é, na verdade, a questão que colocamos, permanentemente, a mais de 400 CEO em todo o mundo e é imensamente relevante. O que vemos, quando falamos de exercer a liderança, de fazer o trabalho do líder, é que para isso é hoje necessário reunir as competências formais ou técnicas essenciais à função, mas que essa é a parte mais fácil. A que pode ser ensinada. A parte mais difícil, atualmente, não é fazer o trabalho do líder, é ser de facto líder. É liderar na prática. Esse é o maior desafio, atualmente. 
 
Diz atualmente porque antes não era? 
A liderança está hoje intimamente relacionada com uma série de mudanças sociais globais que trazem novos desafios ao seu exercício. Um dos maiores desafios é, por exemplo, as redes sociais. As redes sociais vieram colocar os líderes debaixo de um escrutínio global muito apertado e permanente. Têm de responder de forma mais célere e muito mais transparente. Outro grande desafio é o que decorre da alteração do conceito histórico da liderança, que sempre foi sustentado no conhecimento. Os líderes tinham mais conhecimento do negócio do que qualquer outra pessoa. Hoje, com a democratização da informação, esse poder desapareceu. 
 
E os líderes já não lideram pelo conhecimento que têm? 
Os líderes hoje têm de liderar pela influência e não pelo conhecimento. 
 
O que é que isso implica? 
Implica trazer novas competências para cima da mesa. Todos já vimos a forma como os millennials se apresentam no mercado de trabalho: eles têm mais opções, maior liberdade, são mais exigentes no que respeita à sua carreira e às suas ambições. Os líderes de hoje necessitam de garantir um propósito, um sentido à empresa, para conseguirem atrair esta nova geração de profissionais para as suas estruturas. Em paralelo, há ainda questão da confiança. Os líderes enfrentam atualmente o desafio da confiança. 
 
Não são confiáveis? 
Os negócios e os líderes já não são confiáveis como antes eram. E não são, maioritariamente, porque há um desfasamento entre crescimento dos negócios e os benefícios sociais dele decorrentes. Não estamos a conseguir manter esta balança equilibrada e isso está a criar um enorme desafio aos líderes, que precisam de reconquistar a confiança da sociedade. A liderança está, de muitas formas, em mudança. Há vários fatores que estão a exigir respostas diferenciadas por parte dos líderes de hoje. 

De que tipo de líderes necessitam as empresas? 
O modelo tradicional de liderança em que o CEO tinha uma visão para a empresas, definia as regras e a sua organização formal e as pessoas seguiam-nas, está ultrapassado. Não me parece que esse modelo vá funcionar no futuro. 

Porquê? 
Porque hoje quando falamos de negócios e de empresas, falamos de múltiplos parceiros (stakeholders). Não estamos a falar só dos acionistas e da maximização dos seus lucros. Falamos também na responsabilidade social das organizações e da valorização desta componente. Se fizermos o exercício futurista de perceber como serão os líderes do futuro, acredito que serão muito mais vulneráveis. Não terão todas as respostas, serão muito mais dependentes da sua equipa, trabalharão de forma mais colaborativa, delegando responsabilidades, de forma mais influenciadora, permitindo verdadeiramente que as ideias surjam e sejam partilhadas. Serão, certamente, muito mais humildes e inclusivos e terão também de demonstrar que se motivam com as razões certas. Não podem ser só motivados por benefícios pessoais. Terão de perseguir objetivos mais altruístas, como impactar positivamente a sociedade, tornando-a melhor. E terão de o fazer porque é isso que as novas gerações de talento procuram: uma profissão, uma empresa e um líder que acrescente sentido à sua vida. 
 
Competências técnicas ou emocionais, o que é mais importante para liderar? 
Quando olhamos para a inteligência artificial e para as soluções de automação, percebemos que a maioria das coisas que conseguiremos automatizar serão competências técnicas. Quando olhamos hoje para o conhecimento, também percebemos que é muito mais fácil alcançá-lo. Há imensa informação disponível e o Sr. Google responde a quase tudo [risos]. A verdade é que conseguimos formar-nos a nós mesmos, sem grandes entraves de acesso a informação, e atualizar o nosso conhecimento em permanência. O enorme desafio que se coloca é como é que motivamos as  pessoas para esta aprendizagem constante. Se olharmos para as estatísticas percebemos que quase 42% dos trabalhadores a nível global não se sentem comprometidos com as empresas onde trabalham. E em quase todos os países, exceto na Alemanha, há um problema de quebra de produtividade. 
 
Consequência do défice de compromisso... 
Acredito que o papel do líder será o de comprometer e inspirar um grupo de pessoas para fazer mais do que eles próprios acreditam serem capazes, desafiar o seu potencial. Mostrar-lhes que podem ser uma melhor versão de si mesmos, e não apenas implementar um conjunto de regras a dizer que o que as pessoas têm de fazer, e esperar que as pessoas as sigam. Daniel Pink, fala disto. Fala da motivação no novo mundo empresarial. E motivação é autonomia, é propósito. Os líderes do futuro precisam de estar alinhados com isto. 
 
Isso são competências emocionais. 
Sim. Isto é empatia, é interessar-se pelo bem-estar dos outros, é estar disponível para ouvir, para ajudar, para resolver. É saber falar ao coração das pessoas e não apenas à sua mente. E isso requer um novo tipo de liderança, ou pelo menos enfatiza outras componentes da liderança. Ser o líder, é saber liderar em diferentes situações.  É saber alavancar o potencial de um grande número de pessoas e levá-las a inovar de forma permanente.
 
Tem destacado muito a globalização do talento. Num contexto global, a diversidade e a inclusão são importantes? 
Sem dúvida.
 
E temos diversidade suficiente nas empresas?
Não, deveríamos ter mais. E não apenas por razões sociais, mas também razões económicas e de desempenho. As evidências demonstram que a diversidade em posições de topo conduz a melhores desempenhos e melhores resultados. A razão para isso é o de operarmos num ambiente de múltiplos parceiros e muitas partes interessadas no negócio. A diversidade é absolutamente crítica tal como a inclusão, porque muitas vezes temos regulamentação que enquadra a diversidade, mas isso nem sempre resulta numa inclusão efetiva.

Como é que contrata? Quais são as suas prioridades na gestão de talento? 
Na Egon Zehnder, a decisão de gestão mais importante é quem contratamos para a empresa. A competência e o perfil dos nossos consultores é o que nos diferencia no mercado. Contratamos perfis que sejam autoconscientes, autoconfiantes, capazes de liderar pela verdade (com base na honestidade intelectual, e é preciso autoconfiança para isto). Contratamos pessoas capazes de estabelecer relações de longo prazo, preocupadas, focadas em desenvolver outras pessoas e apaixonadas em transformar os outros em líderes bem sucedidas. Por isso, não se trata apenas deles. Há a motivação de criar impacto. A nossa crença é de que o mundo precisa de melhores líderes e a forma que temos de contribuir para isto é apoiar e aconselhar o desenvolvimento de liderança nas empresas. Procuramos, por isso, pessoas que possam ser conselheiros credíveis. 
 
Como é que equilibra o uso da tecnologia com a necessidade de personalização que é característica dos serviços de recrutamento? 
Esse é o grande desafio do sector. A possibilidade de identificação do talento, antes exclusiva às empresas de recrutamento, generalizou-se e está hoje também acessível aos clientes. Onde sentimos mais o impacto da tecnologia é na análise preditiva. Consigo pegar numa base de dados e pela sua análise, identificar que tipo de pessoas seriam melhor sucedidas numa determinada função ou empresa. Há muitas tecnologias a serem testadas e aplicadas neste campo e nós aplicamos algumas. Mas acredito que há coisas que detestamos delegar nas máquinas. É como quando temos uma doença grave. Mesmo sabendo que temos hoje máquinas podem operar tumores, é muito pouco provável que nos sentemos em frente a uma à espera que ela nos diga de que patologia sofremos e como é que se vai resolver. Na medicina, tal como no recrutamento e no acompanhamento de líderes, queremos interação humana. Queremos perceber o que isso vai significar para nós. 
 
Temos os líderes de que precisamos? 
Não acho que tenhamos todos os líderes de que necessitamos para as novas exigências da função. Ao longo da história tivemos diferentes momentos em que as expectativas e as tarefas mudaram e não conseguimos acompanhar a mudança. Este é um desses momentos. A tarefa da liderança mudou, mas a forma como os líderes estão a ser nomeados, formados e selecionados, ainda está a ser feita com critérios do passado. A forma como identificamos e selecionamos os novos líderes tem, forçosamente, de acompanhar, os novos desafios da liderança. Os líderes que estão a ser nomeados, são-no por serem carismáticos, heroicos, líderes fortes, o que já não basta. Mas mesmo esses, percebem rapidamente que para serem eficazes e bem-sucedidos na sua missão têm de se transformar rapidamente. Ainda estamos a selecionar líderes à margem do que entendemos que será necessário para liderar no futuro.  

A mudança não está a acontecer? 
A maior mudança está acontecer. Os líderes já compreenderam que tem de investir na sua transformação pessoal permanente. Antes de se chegar a CEO o caminho parece fácil. É-se nomeado, nomeia-se as pessoas certas, estipulam-se as regras e pensa-se “isto agora deve acontecer e dar certo”. E isso não está a acontecer hoje. Isso já não chega. Liderar hoje requer muito mais energia emocional para motivar, inspirar, unir as pessoas em torno dos mesmos objetivos. E os líderes de hoje, mesmo os que são nomeados agora, não estão preparados para isso. Tem de ser responsáveis, disponíveis, estar no terreno, saber ouvir, saber lidar com stakeholders (interna e externamente), tem de gerir a diversidade, tem tudo. Como é que assegura tudo isto e encaixa isto tudo na empresa? Com um modelo que é hoje muito diferente do que tradicionalmente se instituiu. Hoje, não importa se falha. Ao líder atual é permitido ser vulnerável, cometer erros. O líder atual tem de ser muito mais humilde. Não pode estar sentado num pedestal e esperar que tudo aconteça em seu redor. Tem de se empenhar, estar lado a lado com as equipas, inspirar e gerir com o coração. O líder de hoje precisa de um treino muito mais emocional do que formal.


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