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Preparação e adaptação a um ambiente estrangeiro: formação intercultural



01.01.2000



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Preparação e adaptação a um ambiente estrangeiro: formação intercultural

"Verdade para cá dos Pirinéus, mentira para lá."
Blaise Pascal

As situações de expatriação, designadas vulgarmente por assignments internacionais são normalmente acompanhados de um conjunto de processos psicológicos e sociais típicos. A forma mais simples de contacto que se verifica é a que se estabelece entre um indivíduo estrangeiro e o novo ambiente cultural para onde vai trabalhar. O quadro expatriado normalmente sofre aquilo que Furnham e Bochner designam de choque cultural. De certa forma é como se tivesse de regressar à situação mental de uma criança que tem de aprender de novo as coisas mais simples.

Por vezes esta situação gera sentimentos de angústia, impotência ou mesmo de hostilidade face ao novo ambiente onde está inserido. É mesmo frequente que o equilíbrio físico seja afectado necessitando de maior assistência médica imediatamente após a sua deslocação. Os quadros internacionais que têm uma missão temporária num novo ambiente cultural estrangeiro passam, inevitavelmente, por um processo de aculturação conforme a figura 2.

figura2

Adaptado de Furnham e Bochner (op.cit)

Neste diagrama estão representados o tempo e os sentimentos (positivos e negativos) e caracteriza-se por quatro fases.

A primeira fase (habitualmente curta, digamos as primeiras duas a três semanas) constitui um período de euforia (ou encantamento) que tem a ver com a emoção da viagem, da nova terra e das novas pessoas. É o que geralmente acontece quando se vai de férias para um lugar novo.

A segunda fase é a fase do choque e, agora, aquilo que era interessante e encantador já não parece tão interessante nem tão encantador. É quando começa a vida real no novo ambiente.

A terceira fase, de aculturação, inicia-se quando o indivíduo estrangeiro aprendeu gradualmente a funcionar nas novas condições e nas novas regras, adoptando e compreendendo alguns valores e normas locais, adquire confiança em si próprio e finalmente se integra na nova rede social.

Finalmente a fase quatro constitui o estado de estabilidade mental que acaba por ser alcançado. Contudo, os sentimentos podem permanecer negativos em comparação com a cultura de origem do indivíduo (4a) mas pode sentir-se tão bem como anteriormente e neste caso (4b), pode considerar-se que se atingiu uma adaptação bicultural. Pode mesmo dar-se o caso de o indivíduo se sentir ainda melhor no novo ambiente e adaptar-se totalmente ao modo de vida dos anfitriões (4c). Nestas situações pode colocar-se dúvidas quanto ao seu regresso tal como na fase 4ª se coloca a hipótese de repatriação por inadaptação, do próprio ou da família.

O choque cultural e toda a sintomatologia física que o acompanha pode mesmo atingir um grau de intensidade que leve à repatriação e muitas empresas têm experiências deste tipo. No entanto, muitos dos regressos dos expatriados (regressos prematuros) devem-se também à pressão dos conjugues ou à inadaptação dos mesmos ao novo ambiente ou à nova situação de separação. Preparar a expatriação é, assim, uma estratégia de gestão inteligente. Black e Mendenhall, já citados anteriormente, efectuaram um estudo profundo dos vários cursos e tipos de formação intercultural existentes no mercado e concluíram que este tipo de formação tem um impacto extremamente positivo no atingimento de objectivos, na adaptação e produtividade dos expatriados e na sua eficácia e desempenho globais.

Efectivamente, a preparação antecipada dos quadros expatriados sobre o novo ambiente é extremamente importante e ajuda a reduzir tanto o tempo do choque cultural como o próprio choque, sendo por isso de grande utilidade para o próprio quadro expatriado, para a sua família e para a empresa pois reduz as situações de doença, o número de repatriações e aumenta o bem estar psico-físico do indivíduo e a sua própria produtividade. Para serem eficazes, tanto a gestão da expatriação quanto a formação intercultural, devem possuir três características fundamentais, a saber:

1) A formação no domínio das diferenças culturais deve ser considerada uma necessidade e não um luxo. Os custos da formação são incomparavelmente mais pequenos do que os custos da não formação traduzido em concreto nos custos potenciais dos regressos antecipados ou nos negócios falhados por falta de competências e sensibilidade multicultural.

2) Os cursos devem assentar numa pedagogia activa, cognitiva e comportamental, fortemente participativa e usando métodos que apelem à vivência de situações utilizando jogos de papéis, simulando práticas e, ainda, transmitir ferramentas de análise que permitam uma abordagem das outras culturas de forma moral e culturalmente neutra.

3) A expatriação ou missão internacional deve ser encarada como um assunto doméstico (ou seja, de família e entre a família discutido, analisado, ponderado e decidido) de forma a envolver e a preparar o conjugue e a família para os futuros problemas de adaptação e/ou separação prolongada.

Para além destes aspectos, ao nível dos conteúdos e temáticas que devem ser transmitidos aos futuros expatriados (e à família) destacam-se:

Orientação social do país hospedeiro (inclui factores legais, económicos, sociais, demográficos e políticos);

Estilos cognitivos e aspectos psico-sociológicos do novo país;

Sistema de valores e crenças dominantes;

Padrões de comunicação dominante, língua e dialectos, comunicação verbal e não verbal;

Locus de controle e de decisão nos negócios e na gestão;

Fontes de redução da ansiedade colectiva;

Atitudes face à Natureza, ao Tempo, ao poder e à autoridade, às regras, ao trabalho, ao risco, aos conflitos e ao desconhecido.

Note-se, contudo, que nem mesmo a formação intercultural anula o choque cultural que se produz sempre (embora a intensidade varie de indivíduo para indivíduo). Os quadros que se deslocam frequentemente de um ambiente cultural estranho para outro afirmam mesmo que o processo do choque cultural se inicia sempre que tal acontece. É também interessante assinalar que muitos quadros que completam o seu processo de aculturação com êxito experimentam um "choque cultural inverso" quando regressam ao seu antigo ambiente cultural e voltam mesmo a oferecer-se para partir novamente porque se sentem deslocados ou estrangeiros no seu próprio país.

Assumir que o choque cultural é um indicador de fracasso potencial numa carreira internacional não passa, contudo, de um mito. É difícil encontrar pessoas que se adaptem imediatamente a uma cultura diferente da sua, e essa dificuldade agrava-se quando se fala do exercício de cargos de gestão em países estrangeiros. As principais reacções a uma nova cultura são:
confusão em relação ao que se deve, ou não, fazer no emprego ou na vida social, sensação de ansiedade e frustração, comportamento social desadequado, incapacidade de se aproximar dos parceiros ou colegas e de concluir os negócios ou desempenhar eficazmente as funções de isolamento, doenças psicossomáticas e depressões.

Outro aspecto importante a assinalar é que a eficiência dos quadros internacionais não é inata, mas forma-se e desenvolve-se; tudo depende da capacidade de adaptação de cada pessoa e da sua predisposição para ultrapassar as diversas fases de um processo desta natureza.

Fonte RHM (continua)






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